2- AS CORRENTES DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO
A ciência geográfica teve seu processo
de sistematização lento e tardio na visão de alguns autores, vindo a
constituir-se enquanto ciência, mais especificamente no século XIX, porém,
desde a antiguidade os estudos geográficos já eram desenvolvidos,
principalmente na Grécia Antiga. Grande parte do mundo ocidental conhecido era
dominada pelos gregos, em especial o leste do Mediterrâneo. Sempre interessados
em descobrir novos territórios de domínio e atuação comercial, era fundamental
que conhecessem o ambiente físico e os fenômenos naturais. O céu claro do
Mediterrâneo facilitava a vida dos navegantes gregos, sempre atentos às
características dos ventos, importantes para sua navegação em termos de
velocidade e segurança.
2.1. Grécia Antiga- berço dos estudos
geográficos
Sobre tais experiências, os
gregos deixaram para as futuras gerações escritos que contavam a sua vivência
geográfica. Estudos feitos acerca do rio Nilo, no Egito, detalhavam, entre
outras coisas, seu período de cheia anual. No século IV a. C., os gregos
observavam o planeta como um todo. Através de estudos filosóficos e observações
astronômicas, Aristóteles foi o primeiro a receber crédito ao conceituar a
Terra como uma esfera. Com o colapso do Império Romano, os grandes herdeiros da
geografia grega foram os árabes. Muitos trabalhos foram traduzidos do grego
para o árabe. Os geógrafos árabes foram grandes viajantes, que continuaram a
produzir estudos importantes, ainda que descritivos.
A Idade Moderna caracterizou-se
por ser o período dos grandes descobrimentos, realizados especialmente pelos
navegadores portugueses e espanhóis. Nessa época, os estudos da Geografia
Regional (mais ligados à Etnografia) e Geografia Geral (voltados para a
Astronomia e Cartografia) tornam-se mais intensos, em razão do rápido
conhecimento do planeta por parte dos desbravadores europeus, que demandavam
mais estudos sobre os lugares descobertos, além de instrumentos de navegação e
localização mais precisos.
Porém, é por meio das obras de
Alexandre von Humboldt e Carl Ritter que a Geografia teria originado,
enquanto ciência. São eles que fornecem os primeiros delineamentos claros do
domínio dessa disciplina em sua acepção moderna, que elaboram as primeiras
tentativas de lhe definir o objeto, que realizam as primeiras padronizações
conceituais. Alexander von Humboldt - considerado, junto com Carl Ritter, o Pai da Geografia.
3.0- As principais Correntes do
Pensamento Geográfico.
3.1. GEOGRAFIA TRADICIONAL: A Geografia Tradicional, também conhecida como Geografia
Clássica, surgiu no século XIX, inicialmente na França e na Alemanha,
difundindo-se aos demais países, tendo como precursores Alexandre von Humboldt e Carl Ritter. Nesta corrente surgem as primeiras definições do que seria
a Geografia e qual seria seu objeto de análise, já que no momento de sua
sistematização não havia clareza quanto ao objeto de estudo.
Humboldt, foi geógrafo,
naturalista e explorador. Ele desenvolveu e especializou-se em diversas áreas:
foi etnógrafo (descreve os usos e costumes dos povos.), antropólogo, físico,
geógrafo, geólogo, mineralogista, botânico, vulcanólogo e humanista, tendo
lançado as bases de ciências como a Geografia, Geologia, Climatologia e
Oceanografia. Apesar de ter pesquisado diversas coisas em seus mínimos
detalhes, sempre o fez com uma visão geral e imparcial. Sua principal obra é o Kosmos,
uma condensação do conhecimento científico de sua época.
Carl Ritter nasceu na Prússia, foi um naturalista de grande importância
para o posterior surgimento da Geografia Humana. Foi também o fundador da
Sociedade Geográfica de Berlim e o primeiro professor de geografia regular e
fixo em uma universidade, sendo que a cátedra de geografia da Universidade de
Berlim foi instituída justamente para que ele a ocupasse. Seu grande objetivo
era estabelecer as bases de um conhecimento geográfico científico, nos moldes
das ciências naturais. É para ele, todos os estudos deveriam convergir direta
ou indiretamente para o entendimento das relações homem/natureza.
Os trabalhos de Ritter e
Humboldt surgiram no período em que o conhecimento geográfico acumulado sobre o
mundo já permitia obter um conhecimento mais fundamentado em viagens,
cartografias e estudos mais precisos. Com Ritter e Humboldt a Geografia Moderna
surgiu; porém, a construção desta só pôde ocorrer porque praticamente toda a
superfície terrestre havia sido conhecida, estudada e mapeada.
3.2. DETERMINISMO GEOGRÁFICO: Teoria formulada no século XIX pelo geógrafo alemão
Friedrich Ratzel que fala das
influências que as condições naturais exerceriam sobre o ser humano,
sustentando a tese de que o meio natural determinaria o homem. Nesse sentido,
os homens procurariam organizar o espaço para garantir a manutenção da vida.
O maior sinal da perca de uma
sociedade seria a perda do território. As afirmações de Ratzel estavam
fortemente ligadas ao momento histórico que vivia, durante a unificação da
Alemanha. O expansionismo do Império Alemão, arquitetado pelo primeiro-ministro
da Prússia Otto von Bismarck (1815-1898),
foi legitimado pelas duas principais correntes do pensamento ratzeliano, o determinismo geográfico e o
espaço vital (espaço
necessário à sobrevivência de uma dada comunidade). A primeira explicaria a superioridade de algumas raças - nesse caso, a
alemã -, que naturalmente se desenvolveriam mais do que outras, e a segunda
justificaria a conquista de novos territórios para suprir a maior demanda de
recursos para seu desenvolvimento, ou seja, o expansionismo.
Os discípulos do determinismo
foram além das proposições ratzeliana, chegando a afirmar que o homem seria um produto do meio.
Defendiam que um meio natural mais hostil proporcionaria um maior nível de
desenvolvimento ao exigir um alto grau de organização social para suportar
todas as contrariedades impostas pelo meio. Um exemplo disso seria o inverno,
que justificaria o desenvolvimento das sociedades europeias, que não tiveram
grandes dificuldades em subjugar os povos tropicais, mais indolentes e
atrasados. Essa ideia justificou o expansionismo neocolonial na África e na
Ásia entre o fim do século XIX e o início do século XX. Pensamentos que, mais
tarde, foram aproveitadas pelos cientistas e políticos da Alemanha Nazista. Essa
corrente geográfica surgiu aos fins do século XIX, no início do sistema
econômico capitalista, monopolista e imperialista. O determinismo geográfico
parte do princípio que o meio exerce total influência no modo de ocupação do
homem, a tal ponto que a sua própria identidade seja condicionada pelo meio
natural.
3.3. POSSIBILISMO GEOGRÁFICO: Teve origem na França, com Paul Vidal de la Blache. Enquadrado no pensamento
político dominante, num momento em que a França tornou-se uma grande soberania,
ele realizou estudos regionais
procurando provar que a natureza exercia influências sobre o homem, mas que o
homem tinha possibilidades de modificar e de melhorar o meio, dando origem ao
Possibilismo. A natureza passou a ser considerada fornecedora de
possibilidades e o homem o principal agente geográfico. A escola possibilista afirma que o homem, como ser racional, é um
elemento ativo e, portanto, tem condições de modificar o meio natural e
adaptá-lo segundo suas necessidades. Para
essa concepção geográfica, a natureza exerce influência sobre o homem, porém
este através da técnica e da inteligência modifica a mesma, transformando-a
para garantir sua sobrevivência.
3.4. GEOGRAFIA REGIONAL OU MÉTODO
REGIONAL: O método regional consiste no terceiro
paradigma da geografia, opondo-se ao determinismo ambiental e ao Possibilismo.
Esta escola ganha força apenas a partir dos anos 40 nos Estados Unidos.
Principal autor desta corrente de pensamento, o geógrafo norte-americano
Richard Hartshorne, defendia que a superfície terrestre era muito heterogênea e
com isso evidenciava-se a necessidade de se produzir uma geografia regional. Hartshorne não utilizava o termo região:
para ele os espaços eram divididos em classes de área, nas quais os elementos
mais homogêneos determinariam cada classe, e assim, as descontinuidades destes
trariam as divisões das áreas. Este pensamento geográfico ficou conhecido
como método regional. O método regional
é mais um dos paradigmas geográficos no processo evolutivo da ciência
geográfica. Seu campo de estudo é
estabelecido através de diferenciações entre áreas que não são vistas das
relações entre o homem e o meio, mas, sobretudo, a integração de fenômenos
heterogêneos em uma determinada área do globo terrestre.
3.5. NOVA GEOGRAFIA (GEOGRAFIA
PRAGMÁTICA, GEOGRAFIA TEORÉTICA OU QUANTITATIVA):
Na década de 60 surge
simultaneamente na Inglaterra e na Suécia a Nova geografia também chamada de
teorética, pragmática ou quantitativa. Este paradigma incorpora métodos
matemáticos e estatísticos na busca pela compreensão do espaço, utilizando-os
como ferramenta para o planejamento dos estados capitalistas, em virtude das
novas dinâmicas geopolíticas e geoeconômicas inauguradas no pós-guerra.
Foi usada como forte instrumento
de poder estatal, pois manipulava dados através de resultados estatísticos.
Predominou na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, principalmente na década de
1960 a meados de 1970. A partir da
década de 1960, a Geografia Pragmática começou a sofrer duras críticas. Uma das
principais críticas é o fato de não considerar as peculiaridades dos fenômenos,
pois o método matemático explica o que acontece em determinados momentos, mas
não explica os intervalos entre eles, além de apresentar dados considerando o
"todo" de forma homogênea, desconsiderando as particularidades.
3.6. GEOGRAFIA CRÍTICA OU GEOGRAFIA
MARXISTA: Surgida nos anos 70 e 80 em virtude das
novas circunstâncias que passam a caracterizar o capitalismo, a geografia
critica é calcada no materialismo histórico e na dialética marxista. Este
paradigma passa a questionar as desigualdades econômicas em todas as escalas
(mundial, regional e entre indivíduos), compreendendo-as como um produto da
expansão do capitalismo. A relação sociedade natureza é repensada à luz do
Marxismo. Surgem as discussões a cerca da degradação do meio ambiente. Seus
principais autores são o francês Yves Lacoste e o brasileiro Milton Santos.
A Geografia Crítica estabelece o
rompimento da neutralidade no estudo da geografia e propõe engajamento e
criticidade junto a toda a conjuntura social, econômica e política do
mundo. Estabelece também uma leitura crítica frente aos problemas e
interesses que envolvem as relações de poder e pró-atividade frente às causas
sociais, defendendo a diminuição das disparidades socioeconômicas e diferenças
regionais. Defendia ainda a mudança do ensino da geografia nas escolas, ao
estabelecer uma educação que estimulasse a inteligência e o espírito
crítico. O pensamento crítico na geografia significou, principalmente,
uma aproximação com os movimentos sociais, principalmente na busca da ampliação
dos direitos civis e sociais, como o acesso a educação de boa qualidade, a
moradia, pelo acesso à terra, o combate à pobreza, entre outras temáticas. A Geografia crítica surge como último
paradigma. Os diversos debates e encontros ligados a essa temática foram mais
destacados a partir da década de 70 e 80, com o chamado "movimento de
renovação da Geografia". A
diminuição das desigualdades sociais - um dos pontos defendidos pela corrente
da Geografia Crítica.
3.7. GEOGRAFIA HUMANÍSTICA OU CULTURAL:
Têm como base os trabalhos realizados
por Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer, Edward Relph e Mercer e Powell. A Geografia Humanística ou Cultural procura
valorizar a experiência do indivíduo ou do grupo, visando compreender o
comportamento e as maneiras de sentir das pessoas em relação aos seus lugares,
ou seja, a cultura dos grupos sociais.
Para cada indivíduo, para cada
grupo humano, existe uma visão do mundo, que se expressa através de suas
atitudes e valores para com o ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa
valoriza e organiza o seu espaço e o seu mundo, e nele se relaciona. A valorização da cultura é o principal foco
da Geografia Humanística. O lugar é aquele em que o indivíduo se
encontra ambientado no qual está integrado, o espaço envolve um complexo de
ideias. A integração espacial faz-se mais pela dimensão afetiva que pela
métrica. Estar junto, estar próximo, significa o relacionamento afetivo com
outra pessoa ou com outro lugar. Lugares e pessoas fisicamente distantes podem
estar afetivamente próximos. O espaço e o
lugar ganham importância cada vez maior na corrente da Geografia Humanística.
3.8.
GEOGRAFIA AMBIENTAL: Ramo da geografia que descreve os aspectos
espaciais da interação entre o homem e o mundo natural. Requer o entendimento
dos aspectos tradicionais da geografia física e humana, assim como os modos que
as sociedades conceitualizam o ambiente. Como a relação do homem com o ambiente
tem mudado em consequência da globalização e da mudança tecnológica, uma nova
aproximação é necessária para entender esta relação dinâmica e mutável. A defesa do meio ambiente é o principal
tema da Geografia Ambiental.
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