O
declínio da população brasileira ao longo dos últimos 50 anos é estudado pelos
demógrafos em busca de seu segredo.
Como
foi que, sem nenhum programa ou campanha oficial, o Brasil, um país de cultura
católica, reduziu a taxa de natalidade de 6,3 para 1,9 - menor que a dos
Estados Unidos? A reportagem de capa deste mês traz a resposta. A autora
Cynthia Gorney, americana, professora na Universidade da Califórnia em
Berkeley, fez diversas viagens para cá. Entrevistou especialistas, mulheres e
famílias. Fatores diversos provocaram a queda de natalidade.
Mas o
principal deles é a brasileira, escreve Cynthia. Foi ela quem decidiu ter menos
filhos. Foi ela quem mudou o futuro do país. Por vontade própria. Com esse
mesmo viés na cabeça, nosso editor sênior Ronaldo Ribeiro foi à cidade de maior
proporção de mulheres no país: 54,25% dos 419,4 mil habitantes são do sexo
feminino em Santos. Trouxe um retrato inovador e engraçado. Os assinantes
recebem esta edição em uma sacola biodegradável. Com ela, a Editora Abril quer
combater a poluição das águas. O melhor lugar para começar é em National
Geographic Brasil.
A nova
taxa de fecundidade no Brasil está abaixo do nível que permite a uma população
substituir a si mesma. É inferior à taxa dos Estados Unidos, dois filhos por
mulher. No Brasil de 191 milhões de habitantes, o maior país da América Latina,
a Igreja Católica Romana predomina, o aborto é ilegal (com raras exceções) e
nenhuma política oficial jamais visou ao controle da natalidade, mas ainda
assim o tamanho das famílias sofreu uma queda tão drástica e insistente nas
últimas cinco décadas que o gráfico da taxa de fecundidade agora mais parece um
escorregador de playground.
Não são
apenas as brasileiras mais ricas e com profissões especializadas que deixaram
de ter prole numerosa. Muitos ainda pensam que no campo e nas favelas as
mulheres continuam parindo um filho atrás do outro, o que não é verdade. Em
Belo Horizonte, a quatro horas de viagem da cidadezinha sul-mineira, os
pesquisadores do centro demográfico que Carvalho ajudou a fundar identificaram
o mesmo declínio em todas as classes e regiões do Brasil. Durante as semanas em
que conversei com mulheres brasileiras, conheci professoras, separadoras de
lixo, arquitetas, jornalistas, balconistas, faxineiras, atletas profissionais,
estudantes do ensino médio e mulheres que viveram como sem-teto na adolescência.
Quase todas disseram que uma família brasileira moderna deve ter dois filhos,
idealmente um casal. Três ainda vai, às vezes. O filho único pode já ser de bom
tamanho. Certa noite, em um bairro operário na periferia de Belo Horizonte, uma
garota solteira de 18 anos olha carinhosamente para seu garotinho que vem
rolando um caminhão de brinquedo na nossa direção. Adora seu menino, diz ela,
mas remata com uma expressão contundente que já ouvi de outras brasileiras:
"A fábrica está fechada".
A
marcante queda no número de filhos nas últimas décadas não é um fenômeno
exclusivo do Brasil. Apesar da preocupação com o crescimento da população
mundial, quase metade da humanidade vive em países nos quais as taxas de
fecundidade caíram abaixo da de substituição demográfica, o nível em que um
casal tem apenas o número suficiente de filhos para substituir o pai e a mãe,
ou seja, dois. No resto do mundo essas taxas também vêm declinando, com a
notável exceção da África subsaariana.
Para os
demógrafos que investigam as causas e as implicações dessa surpreendente
tendência, o Brasil, desde os anos 1960, é um dos laboratórios mais profícuos
do planeta. Mesmo com seu vasto território e suas enormes diferenças regionais
em geografia, raças, cultura e nível socioeconômico, o Brasil possui dados
populacionais que são, por tradição, particularmente minuciosos e confiáveis.
Semelhanças com o caso brasileiro têm sido encontradas em vários países,
inclusive naqueles em que a maioria da população também é católica romana, mas
a experiência local não é igualada em nenhuma outra.
As
brasileiras com menos de 35 anos que já se submeteram à laqueadura tubária são
numerosas e falam abertamente sobre sua opção. "Eu tinha 18 anos quando
nasceu meu primeiro filho. Queria parar por ali, mas o segundo veio por
acidente. Então tomei a decisão: agora chega!", diz uma artesã de 28 anos
em Recife enquanto me mostra como se dança o forró. Tinha 26 anos por ocasião
da laqueadura e, quando lhe pergunto por que escolheu um método contraceptivo
irreversível ainda tão nova - e se ela e o marido um dia mudarem de ideia? -, a
artesã torna a falar que já teve o filho número 2, o "acidente". Diz
que a pílula anticoncepcional lhe dá náuseas e a faz engordar. E, para o caso
de eu não ter registrado sua explicação, frisa: "Agora chega".
Afinal,
por que dois? Por que não quatro? Por que não oito, como sua avó? Sempre ouço a
mesma resposta: "Impossível! Caro demais! Muito trabalho!" E com a
mesma expressão no rosto, os olhos arregalados e o esgar de espanto que agora
já conheço bem: "Estamos no século 21, minha senhora. Está louca?"
Um
acirrado debate sobre os múltiplos fatores da queda na taxa de fecundidade no
Brasil está em curso entre os estudiosos da população, como José Alberto
Carvalho. ("Não deixe que ninguém lhe diga que sabe com certeza o que
causou o declínio", me avisa um demógrafo do Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional em Belo Horizonte, o Cedeplar. "Nunca chegaremos a
uma explicação vencedora, a mais correta.") Mas, se alguém tentasse
elaborar uma fórmula para reduzir a taxa de fecundidade em um país em
desenvolvimento sem intervenção do governo - sem política de filho único como
na China, sem tentativas de esterilização forçada como na Índia -, eis um plano
informal de seis metas inspirado nas peculiaridades do Brasil moderno:
1.
Industrializar com atraso, de forma febril, causando no período de 25 anos uma
realocação relâmpago da população das áreas rurais para as urbanas que os
economistas antes julgavam ser possível apenas em um século. O regime militar
implantado no Brasil com o golpe de março de 1964 e mantido por duas décadas de
autoritarismo muitas vezes brutal forçou o país a engajar-se em um novo tipo de
economia que concentrou o trabalho nas cidades, onde as habitações são
apertadas, as ruas das favelas representam perigo, os bebês são vistos mais
como fardos dispendiosos do que como futuros braços para a lavoura, e os
empregos que as mulheres precisam ter para sustentar a família requerem sua
ausência de casa por até dez horas diárias.
2.
Manter sem controle a maioria dos medicamentos e a venda sem receita nas
farmácias, de modo que, ao surgir a pílula anticoncepcional nos anos 1960, as
mulheres de todas as classes sociais possam, com dinheiro, ter acesso a ela
mesmo sem a prescrição de um médico. E fomentar nessas mulheres uma excepcional
insensibilidade para com a posição da Igreja Católica sobre a contracepção artificial.
(Ver item 4.)
3.
Melhorar as estatísticas de mortalidade neonatal e infantil até que as famílias
não se sintam mais compelidas a ter filhos adicionais por segurança, na
suposição de que alguns morrerão jovens. Além disso, manter um programa
nacional de previdência social de qualidade, livrando os pais da classe
trabalhadora da convicção de que uma família numerosa será sua única
possibilidade de sustento na velhice.
4.
Distorcer os incentivos financeiros de seu sistema de saúde por uma ou duas
gerações para que os médicos aprendam que podem contar com remuneração maior e
horários de trabalho mais previsíveis se fizerem cesarianas em vez de esperar o
momento do parto natural. Depois espalhar a notícia, de mulher para mulher, de
que um médico de hospital público que já tenha iniciado uma cirurgia de
cesariana talvez possa ser persuadido a adicionar discretamente uma laqueadura
nas trompas, e assim assegurar um próspero mercado paralelo aprovado há décadas
para esse método de contracepção permanente. O sistema brasileiro de saúde só
reconheceu formalmente a esterilização feminina voluntária em 1997. Mas a
primeira vez em que ouço a frase "A fábrica está fechada" ela vem de
uma professora aposentada de 69 anos que se submeteu à laqueadura tubária em
1972, depois de ter seu terceiro filho. A professora tem três irmãs. E todas
fizeram a mesma cirurgia. Sim, as três são católicas. Sim, a hierarquia da
Igreja desaprova. Não, nenhuma delas se importa muito; são devotas, mas em
certos assuntos o clero masculino talvez não tenha condições de discernir a
verdadeira vontade de Deus. Enquanto a professora serve chá em xícaras de
porcelana durante a nossa conversa à mesa na sala de jantar, comenta sem se
preocupar: "Todo mundo fazia isso".
5.
Introduzir ao mesmo tempo eletricidade e televisão em boa parte do interior do
país para revolucionar duplamente o modo de vida familiar tradicional, depois
inundar as transmissões com uma imagem singular, vívida e invejável da família
brasileira moderna: abastada, de pele clara e pequena. Os estudiosos procuram
descobrir se o encolhimento da família pode ter sido influenciado pelas novelas
brasileiras, levadas ao ar durante meses a fio como uma série interminável de
folhetins eróticos. Um estudo concluiu que a disseminação da televisão ocorreu
mais rápido que o acesso à educação - que melhorou muito no Brasil, porém a um
ritmo mais lento. Nos anos 1980 e 90 todo o Brasil era dominado pela Rede
Globo, cujas novelas no horário nobre - antes às 8 da noite, agora às 9 -
tornaram-se assunto frequente nas conversas; mesmo hoje, na era das
transmissões por satélite de um sem-número de canais, vemos os televisores das
lanchonetes sintonizados na novela global do momento.
Quando
estive no Brasil, o sucesso da vez era Passione, a turbulenta história dos
Gouveia, uma família de industriais atormentados por segredos - uma gente
bonita e rica cercada de objetos de desejo: motos, candelabros, bicicletas de
corrida, passagens de avião, sapatos franceses. A viúva Gouveia, mulher
decidida e admirável, teve três filhos. Bem, na verdade quatro, mas um ficou
incógnito, pois foi concebido em um caso extraconjugal e mandado para a Itália
ainda bebê porque
Ah, não interessa. O importante é que não havia muitos Gouveia nem
famílias numerosas em todo o resto do enredo mirabolante.
"Uma
ocasião, perguntamos se a Rede Globo estava deliberadamente tentando introduzir
o planejamento familiar", conta Elza Berquó, veterana demógrafa brasileira
que contribuiu para o estudo dos efeitos das novelas. "Sabe qual foi a
resposta? 'Não. O fato é que é muito mais fácil escrever novelas sobre famílias
pequenas'."
E
finalmente o item 6. Garanta que todas as mulheres do país sejam brasileiras.
Brasil
e mulheres, eis um território volátil. O termo "machismo" tem no
português brasileiro o mesmo significado que no resto do continente, falante do
espanhol, e está associado a altos níveis de violência doméstica e outras
agressões físicas a mulheres no país. Mas o Brasil foi profundamente alterado
pelo movimento feminista nos anos 1970 e 80, e hoje nenhum cidadão do
continente americano pode chamar o Brasil de retrógrado em matéria de igualdade
de gêneros. Quando Dilma Rousseff concorreu à Presidência em 2010, os debates
nacionais mais acalorados foram sobre suas ideias e filiações políticas, e não
sobre se o país estava preparado para ter a primeira mulher na Presidência.
Aliás, entre os mais fortes concorrentes de Dilma estava uma senadora, Marina
Silva, que já desponta como provável candidata em futuras eleições.
O
Brasil tem mulheres na alta oficialidade das Forças Armadas, delegacias
especiais para mulheres chefiadas por mulheres e a mais famosa jogadora de
futebol no mundo (a incomparável artilheira Marta). Uma noite, na cidade de
Campinas, converso com o chileno Anibal Faúndes, um professor de obstetrícia
que emigrou há décadas para o Brasil e ajudou a coordenar estudos nacionais
sobre a saúde reprodutiva. Faúndes volta sempre ao tema daquela que é, em sua
opinião, a principal causa da mudança na taxa de fecundidade em seu país
adotivo. E simplifica as coisas. "A taxa caiu porque as mulheres decidiram
que não queriam mais filhos", afirma o professor. "As mulheres
brasileiras são muito fortes. Foi só uma questão de decidir e ter os meios para
realizar."
O caso
do Cytotec traz dados graves mas esclarecedores. Cytotec é o nome fantasia de
um medicamento chamado misoprostol, desenvolvido para tratamento de úlceras,
que em fins dos anos 1980 se tornou internacionalmente conhecido como a pílula
do dia seguinte - parte de uma combinação de duas drogas que incluía o
medicamento chamado de RU-486. Mas, antes mesmo que o resto do mundo recebesse
a notícia sobre a indução de aborto por esse comprimido - que entrou nos
mercados francês e chinês em 1988 em meio a grande polêmica e foi depois
aprovado nos Estados Unidos para interrupção da gravidez -, as brasileiras já
haviam descoberto o fato por conta própria. Nenhuma campanha publicitária
explicou os usos do misoprostol; estávamos na era pré-internet, lembremos, e a
lei brasileira proibia o aborto exceto em casos de estupro ou risco de vida da
mulher.
Acontece
que essa lei é desconsiderada em todos os níveis da sociedade. "As
mulheres informavam umas às outras a dosagem", conta a demógrafa
brasileira Sarah Costa, diretora da Comissão para as Mulheres Refugiadas, uma
ONG com sede em Nova York. Ela escreveu sobre o fenômeno brasileiro do Cytotec
para a revista médica Lancet. "Ambulantes vendiam o remédio em estações de
trem. A maioria dos postos de saúde na época não tinha serviço de planejamento
familiar; e, quando uma mulher tem motivos para regular sua fecundidade mas a
assistência médica e as informações são precárias, ela sai perguntado a todo
mundo: o que posso fazer? E assim o conhecimento se transmite."
O
acesso fácil ao Cytotec não durou muito. Em 1991 o governo brasileiro impôs
restrições à venda do remédio, e hoje ele só está disponível em hospitais -
embora mulheres tenham me dito que ainda é possível obtê-lo pela internet. O
sistema público de saúde paga pelas esterilizações e por outros métodos de
controle da natalidade. Mas os abortos ilegais prosperam, em circunstâncias
médicas que variam de confiáveis a assustadoras. Pode não ser 100% fácil ou
seguro para as brasileiras manter sua família pequena, mas não faltam meios
para fazê-lo. E em todos os aspectos, dizem mulheres de todas as idades, é isso
o que elas agora esperam de si mesmas - e que o Brasil atual, por sua vez,
parece esperar delas.
"Observe
os apartamentos", diz Andiara Petterle, executiva de marketing de 31 anos.
"Eles são projetados para quatro pessoas. Dois dormitórios. Nos
supermercados, as porções de comida congelada são sempre para quatro
pessoas."
Andiara
fundou uma empresa especializada em pesquisas sobre o consumo das mulheres
brasileiras, cujos hábitos de compra e prioridades de vida parecem ter sofrido
uma guinada logo depois que ela nasceu. Só em 1977 o divórcio foi legalizado no
país, comenta Andiara. "Mudamos muito depressa. Constatamos que, para
muitas jovens, a prioridade agora é a educação. Em segundo lugar vem a
carreira. E, em terceiro, filhos e uma relação estável."
Portanto,
criar filhos não desapareceu das prioridades modernas, ressalta Andiara, apenas
foi mais para o fim da lista e se tornou um interesse mais difícil de conciliar
com os demais. A executiva não é mãe, mas espera ser um dia. Ouço dela o que
está se tornando um refrão bem conhecido: a vida no Brasil de hoje está cara
demais para se criar mais de dois filhos. O ensino público em geral é ruim,
dizem as pessoas, e as famílias despendem uma parcela enorme de sua renda para
dar aos filhos boa educação privada. O sistema público de saúde também é ruim,
e as famílias têm despesas colossais com assistência médica particular. Roupas,
livros, mochilas, celulares: as coisas são caras mas devem ser compradas a
qualquer custo. E tudo aquilo de que uma jovem família precisa, gritam as
vitrines aos passantes ávidos de consumo, pode ser obtido com financiamento a
curto ou longo prazo.
Quer
dar a seu filho aquele ursão de pelúcia, aquela boneca em uma linda caixa de
presente, aquele minijipe movido a bateria? Compre em prestações, pagando
juros, naturalmente. O crédito ao consumidor explodiu em todo o Brasil,
chegando às famílias das classes C e D, que, duas décadas atrás, não tinham
acesso a esses luxos adquiridos em parcelas. Durante a minha estada no Brasil,
a revista Exame publicou uma reportagem de capa sobre a disseminação do
consumismo pelas várias classes da sociedade. A jornalista paulistana que
escreveu o texto, Fabiane Stefano, descreve o movimento que viu em uma agência
de turismo inaugurada recentemente em um bairro da periferia. "A cada
cinco minutos entrava alguém", conta ela no texto. "E 80% daquelas
pessoas iam para o Nordeste visitar a família. De ônibus demora três dias, mas
de avião se vai em três horas." Era a primeira vez que aqueles clientes
viajariam de avião. "O funcionário tinha de explicar que eles não veriam
sua bagagem durante o voo."
Seria
um erro crasso supor que os brasileiros estão tendo menos filhos apenas porque
desejam gastar mais com cada um. Mas é verdade que as questões aquisitivas -
quanto as coisas custam hoje em dia, quanto as pessoas agora desejam -
interessam e preocupam quase todas as mulheres brasileiras. Acredita-se que o
menor tamanho das famílias ajuda a impulsionar a economia nos países em rápido
desenvolvimento, sobretudo os cinco grandes hoje conhecidos como Brics: Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul. Porém, crescimento econômico nacional não
é garantia de bem-estar das famílias, a menos que a prosperidade seja bem
administrada e investida nas gerações futuras. "Uma coisa em que tenho
pensado muito é que estamos reduzindo a taxa de fecundidade no Brasil e em
outros países dos Brics, mas não se vê nenhum empenho real no campo da
ética", diz a executiva Andiara. "Poderia haver apenas 1 bilhão de
pessoas no mundo, mas, com a mentalidade atual, consumiriam a mesma quantidade
colossal de recursos."
Em meus
últimos dias no Brasil, vou tomar o café da manhã com um grupo de mulheres
jovens, profissionais liberais paulistanas, a uma mesa na calçada defronte a
uma banca de jornais na qual se veem oito luxuosas revistas sobre criação de
filhos, todas transbordando de anúncios: bebê-conforto e carrinho conversível;
"analisador eletrônico" para identificar o motivo do choro do bebê;
DVD player com suporte de parede que projeta imagens móveis sobre o berço.
Olhamos as fotografias de moda mostrando lindas criancinhas com roupas de
tricô, óculos de aviador e peles sintéticas. "Olhe só estes bebês",
diz Milene Chaves, uma jornalista de 33 anos, em um tom de voz que oscila entre
admiração e desespero. Ela vira a página. "E parece que também é
imprescindível ter um quarto decorado. Eu não preciso de um quarto decorado
como este."
Milene
não tem filhos, por enquanto. "Quando eu tiver, quero simplificar as
coisas", revela. As amigas à mesa concordam ainda olhando as revistas
abertas: objetos atraentes, comentam, mas todos envolvidos por um tremendo
excesso, uma superfluidade perturbadora. São todas habitantes da cidade mais
rica do Brasil na casa dos 20 ou 30 anos e têm dois filhos, um ou nenhum.
Refletem exatamente os padrões sociais que me foram descritos pelos demógrafos
do país. Quando pergunto se elas gostariam de levar uma vida menos
materialista, a exemplo dos mais velhos, duas gerações antes - oito, dez
filhos, ninguém contratando decoradores para embonecar o quarto -, consigo
identificar, no alarido que se segue, a palavra "prisioneira". Mas as
respostas vêm abafadas pela gargalhada geral.