Toda vez que você vai preencher um
questionário é comum aparecer o seguinte campo: sexo. A pergunta é: qual é o
seu gênero? O mais comum é que existam duas alternativas para você assinalar:
masculino ou feminino.
O conceito de gênero denota uma diferenciação. A lógica
ocidental tradicional funciona como uma divisão binária, ou seja, que se divide
em dois opostos: masculino x feminino, macho x fêmea ou homem x mulher.
Sob esse ponto de vista, o ser humano nasce dotado de
determinadas características biológicas que o enquadra como um indivíduo do
sexo masculino ou feminino. O sexo é definido biologicamente tomando como base
a genitália, cromossomos sexuais e hormônios com os quais se nasce.
No entanto, o sexo não determina por
si só, a identidade de gênero ou a orientação sexual de uma pessoa. A orientação sexual, por exemplo, diz
respeito à atração que sentimos por outros indivíduos e, geralmente, envolve
questões sentimentais, e não somente sexuais.
Embora a definição do que é ser
“homem” ou “mulher” tenha surgido a partir de uma divisão biológica, a
experiência humana nos mostra que um
indivíduo pode ter outras identidades que refletem diferentes representações de
gênero (como os transexuais e transgêneros) e que não se encaixam nas
categorias padrões.
Em 2014, após reclamações de usuários
que queriam mais opções em seus perfis, o Facebook passou a oferecer mais de 50
opções de termos para classificar gêneros. É possível ainda escolher por qual
pronome você deseja ser chamado, “ele”, “ela” ou “neutro”.
A novidade já existe em países como
EUA, Reino Unido e Argentina e incluem classificações como andrógino,
transgênero, entre outros. Em entrevista ao jornal inglês The Independent,
Simon Milner, diretor do Facebook no Reino Unido, afirmou que, com essas
inclusões, “o Facebook está permitindo que as pessoas sejam elas mesmas e
fazendo que os usuários se sintam confortáveis em expressar quem são”.
As identidades são características
fundamentais da experiência humana, pois possibilita aos seres humanos a sua
constituição como sujeitos no mundo social. O gênero refere-se à identidade com a qual uma pessoa se identifica ou
se autodetermina; independe do sexo e está mais relacionado ao papel que o
indivíduo tem na sociedade e como ele se reconhece. Assim, essa identidade
seria um fenômeno social, e não biológico.
Uma pessoa cisgênera é aquela que tem sua identidade ou
vivência de gênero compatível com o gênero ao qual foi atribuído ao nascer. Já
uma pessoa transgênera é aquela que se identifica com o gênero diferente do
registrado no seu nascimento. As pessoas trans podem preferir serem tratadas no
feminino ou no masculino ou, ainda, não se encaixar em nenhuma dessas
definições (trans não binárias).
Para muitos especialistas, esse
encaixe em definições tradicionais começa logo na infância. Atentos a isso, uma
pré-escola na Suécia, a Egalia, adotou um sistema
chamado de “educação neutra de gênero”. Não se usam os termos “ele ou ela”
ou “meninos” ou “meninas” para se referir aos alunos, chamados de “amiguinhos”.
Brinquedos de cozinha, como panelinhas e outros, mais relacionados às meninas,
estão lado a lado aos brinquedos de montar, mais ligados aos meninos. O objetivo é fazer com que as crianças
cresçam livres de imposições e sem barreiras para fazerem suas escolhas. O
método, claro, divide opiniões.
Outro tipo de pensamento binário
seria a relação sexo-gênero ou identidade-sexualidade. Ou seja, a partir de um
gênero haveria um determinado padrão de sexualidade. Se a pessoa nasce com uma
vagina, teria que se relacionar com um homem e vice-versa (ou seja, ser
heterossexual). No entanto, existem
diversos comportamentos sexuais (homossexual e bissexual) que mostram que o
gênero não define a orientação sexual de uma pessoa.
Existem muitas pessoas fora da
classificação binária e, mais ainda, fora de classificações. Essas pessoas
sofrem preconceito e são em muitos casos, “proibidas de existir”. A falta de
compreensão da diversidade de gênero traz uma série de problemas e a criação de
sentimentos negativos ou atitudes como a exclusão, culpa, medo e vergonha.
Além do sofrimento pessoal de “não se encaixar” na
sociedade vigente devido ao preconceito, as pessoas transexuais ainda encontram
dificuldades no mercado de trabalho e são vítimas frequentes de crimes de
intolerância e violência.
7.1-Como o gênero funciona nas relações sociais?
A questão de gênero surgiu como
importante reflexão para o feminismo. No fim dos anos 1940, a filósofa francesa
Simone de Beauvoir afirmou que ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher. Ao
afirmar isso, ela contesta o pensamento determinista do final do século 19 que
usava a biologia para explicar a inferiorização do sexo feminino e as
desigualdades sociais entre os gêneros. Para
a filósofa, o “ser mulher” é uma construção social e cultural.
Para tornar-se homem ou mulher é preciso submeter-se a um
processo que chamamos de socialização de gênero, baseado nas expectativas que a
cultura de uma sociedade tem em relação a cada sexo. Assim, ao nascer, uma
pessoa deve ter uma determinada conduta e seguir normas e comportamentos
“aceitáveis” de acordo com seu gênero.
Num passado recente, as mulheres não
podiam estudar, votar ou trabalhar fora de casa. Deveriam exercer
exclusivamente o papel da maternidade. Os homens também estão presos ao seu
papel de masculinidade.
Hoje ainda vivemos padrões de papeis femininos e
masculinos diariamente. Se um bebê nasce menino, ganha presentes associados à
cor azul. Se menina, rosa. Carrinhos para meninos, bonecas para meninas. Se o gênero constrói uma identidade do feminino e do masculino,
ele pode prender homens e mulheres em papeis rígidos.
Se voltarmos ao passado, poderemos observar que em outras
culturas, como em tribos indígenas ou no antigo povo celta, as representações
de masculino e feminino eram bem diferentes do que temos hoje. Em muitas sociedades, as mulheres eram guerreiras e
participavam de esferas de decisão e poder (recentemente, foram encontrados
vestígios de mulheres guerreiras vikings). Na África, há registros de que os
franceses teriam lutado contra um exército de mulheres no Daomé (Benin), no
século 18.
Em 2014, a Marvel anunciou que Thor,
um dos seus personagens mais famosos, virá em versão mulher na próxima HQ. O
personagem salvará uma mulher e herdará seus poderes. Pelo Twitter, o
diretor-executivo da Marvel Digital, Ryan Penagos, esclareceu que ela realmente
substituirá o atual deus do trovão. "Ela não é a Mulher-Thor, Lady Thor,
ou Thorita. Ela é o THOR", escreveu ele.
No Brasil, o cartunista Laerte Coutinho
surpreendeu ao aparecer vestido de mulher e assumir uma nova identidade de
gênero – ou pós-gênero, como ele diz, já que ainda não consegue se enquadrar em
outras opções. Em 2014, a cantora Conchita Wurst, personagem do austríaco Tom
Neuwirth, superou obstáculos e venceu o Eurovision Song Contest, um show de
talentos musicais na Europa. Sua aparência feminina misturada à barba masculina
de Tom chocou o público, mas sua vitória refletiu, de certa forma, a aceitação
da mistura de gêneros incorporada por Conchita.
7.3- Mas, e se eu não me identifico com meu corpo?
Assim como quase tudo que nos
caracteriza, nosso gênero é construído pelas experiências que temos na vida,
nosso desejo de quem queremos ser e em que cultura estamos. Por isso dizemos que o gênero (ser “mulher”
ou ser ”homem”) é uma construção social e não uma genitália.
Em 1990, a filósofa estadunidense
Judith Butler publicou o livro “Problemas de Gênero” (Civilização Brasileira,
2010). A obra cunhou a noção de gênero como performatividade. Para ela, o
gênero é uma produção social, ou seja, é um ato intencional construído ao longo
dos anos. De fora para dentro e de dentro para fora. Segundo ela, gênero não
deve ser visto como um atributo fixo de uma pessoa, mas como uma variável
fluída, apresentando diferentes configurações.
Butler acredita que é preciso tratar os papéis
homem-mulher ou feminino-masculino não como categorias fixas, mas
constantemente mutáveis, fora do padrão voltado para a reprodução. A filósofa
busca desconstruir todo tipo de identidade de gênero que oprime as
características pessoais de cada um. Ou seja, o ideal é que a pessoa escolhesse
o gênero a que quer pertencer.
Ainda que a destruição do conceito de
gênero seja uma questão nova ou distante para a maioria da sociedade, pensar
sobre gênero também é pensar sobre liberdade e cidadania. Não existem certezas,
mas questões sobre um humano mais plural.
No mundo atual onde pessoas se expressam de forma tão
diversa e plural, o respeito à singularidade e a tolerância de cada individuo
torna-se fator de extrema importância. Olhar para um mundo com mais respeito à
diversidade dos gêneros é entender que o outro, independente de sua orientação
é alguém que merece respeito e direitos políticos, sociais e econômicos.
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