Depois
de mais de quatro décadas, o regime de Muammar Kadafi está próximo do fim na
Líbia. Com apoio militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte),
em menos de uma semana os rebeldes chegaram à capital, Trípoli, e tomaram o
quartel-general do ditador. Agora, discute-se quem assumirá o poder no país
árabe.
Os
confrontos entre rebeldes e governo começaram há seis meses, quando
manifestações pró-democracia se espalharam pela África do Norte e o Oriente
Médio. O movimento, chamado de “primavera árabe”, derrubou dois presidentes, na
Tunísia e no Egito. Em outros países, como Síria, Iêmen e Bahrein, os levantes
foram reprimidos pelos regimes.
A queda
de governantes é algo inédito na região, onde predominam monarquias e
ditaduras. Muammar Kadafi está há 41 anos no poder – é o mais longevo entre os
líderes árabes. Ele resistiu às revoltas usando as Forças Armadas contra a
população e impedindo o avanço das tropas rebeldes que controlavam Benghazi,
segunda maior cidade líbia.
Em 17
de março, o Estado líbio estava próximo de derrotar os opositores quando o
Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1973, que decretou zona de
exclusão aérea e autorizou o emprego de “todas as medidas necessárias” para
proteger a população civil.
A zona
de exclusão aérea proibiu os aviões líbios de decolarem e bombardearem as
forças rebeldes. Na prática, a medida abriu caminho para a intervenção militar
da Otan. Dois dias depois da resolução, uma coalizão liderada por EUA,
Grã-Bretanha e França iniciou os ataques contra alvos do governo.
A Otan
também enviou armas aos rebeldes, o que possibilitou a tomada de cidades e o
avanço até Trípoli. Em 23 de agosto eles entraram na capital, onde ainda há
combates contra aliados do ditador. A maior vitória foi a conquista do complexo
de Bab al-Aziziya, moradia de Kadafi. O coronel conseguiu escapar, mas
dificilmente encontrará uma nação que o aceite como exilado político.
A Líbia
é o quarto maior produtor de petróleo da África, depois de Nigéria, Argélia e
Angola, com reservas estimadas em 42 bilhões de barris (para efeito de
comparação, as reservas brasileiras são de 14 bilhões de barris). A maior parte
da produção é exportada para a Europa.
O país
possui 6,4 milhões de habitantes (equivalente à população do Rio de Janeiro) e
o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da África. A riqueza, porém, não
é bem distribuída entre a população. Um terço vive na pobreza e a taxa de
desemprego é de cerca de 30%.
Democracia
Kadafi
assumiu o poder em 1º. de setembro de 1969, após um golpe de Estado que depôs a
monarquia. Nas décadas seguintes, foi acusado de atentados terroristas e se
tornou inimigo das potências ocidentais. Nos últimos anos, manobras políticas o
reaproximaram do Ocidente.
A
comunidade internacional já considera o governo líbio deposto, apesar do
paradeiro de Kadafi ser desconhecido. O desafio, agora, é constituir um
governo de transição em um país sem partidos políticos, Constituição e tradição
democrática.
Teme-se
algo parecido com o que aconteceu no Iraque. Passados oito anos da queda do
ditador Saddam Hussein, o país ainda busca estabilidade política. A diferença é
que a sociedade iraquiana divide-se entre muçulmanos xiitas e sunitas, que há
séculos lutam entre si, enquanto na Líbia são quase todos sunitas.
Entretanto,
isso não afasta o risco de uma guerra civil ou de vinganças contra
simpatizantes de Gaddafi (o que comprometeria a legitimidade do novo governo).
Para controlar os rebeldes é necessário uma liderança política, que pode sair
do Conselho de Transição Nacional (CTN), formado pelos revoltosos em Benghazi.
Entre
os candidatos mais cotados está Mustafa Abdul Jalil, ex-ministro da Justiça de
Kadafi e presidente do CTN. Ele prometeu eleições livres no prazo de oito meses.
Mas no próprio conselho há facções divergentes, tanto religiosas quanto
seculares, o que aumenta as incertezas quanto ao futuro do país.
Síria
Após a
queda de Kadafi, as atenções devem se voltar à Síria, onde continuam os
protestos contra Bashar al-Assad. Estima-se que 2.200 pessoas tenham sido
mortas pelo governo desde o início dos levantes em março.
Diferente
da Líbia, não houve divisões internas no governo sírio, e os opositores do
regime são incapazes de lutar contra o Exército sem apoio militar da Otan. A
despeito disso, a ONU ainda não votou sanções ou intervenção militar para
impedir o massacre da população. A primavera árabe, parece, deve perdurar por
mais estações.
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