Em um
período de cem dias entre abril e junho de 1994, cerca de 800 mil pessoas foram
mortas em Ruanda, no que ficou conhecido como o maior genocídio africano dos
tempos modernos.
Mesmo
para um país conhecido por sua história turbulenta, a escala e a rapidez do
genocídio chocaram o mundo. A maioria dos mortos era da etnia tutsi, e a
maioria dos autores das mortes, da etnia hutu. O estopim do massacre foi a
morte do presidente do país, Juvenal Habyarimana, um hutu, quando seu avião foi
derrubado ao sobrevoar o aeroporto da capital, Kigali, no dia 6 de abril de 1994.
Um juiz
francês culpou o atual presidente de Ruanda, Paul Kagame, que na época era
líder de um grupo rebelde tutsi, e alguns de seus parceiros pelo ataque ao
avião. Kagame nega veementemente responsabilidade pela morte do ex-presidente e
diz que o acidente foi provocado por extremistas hutus, de forma a criar um
pretexto para colocar em ação planos de exterminar a comunidade tutsi.
Quem
quer que seja o responsável, o ataque deu início a uma explosão de violência
que, poucas horas depois, se espalhou pela capital e por todo o país, e só
começou a diminuir três meses depois. A morte do presidente, no entanto, não
foi a única causa do genocídio.
Histórico
de violência
Tensões
étnicas em Ruanda não são novidade. Sempre houve conflitos entre a maioria hutu
e a minoria tutsi, mas as hostilidades entre os dois grupos aumentaram
consideravelmente desde o período colonial.
Os dois
grupos étnicos são na verdade muito similares - falam a mesma língua, vivem nas
mesmas áreas e seguem as mesmas tradições. Entretanto, tutsis tendem a ser mais
altos, mais magros e de pele um pouco mais clara do que a dos hutus. Alguns
acham que a etnia teria sua origem na Etiópia.
Durante
o genocídio, os corpos dos tutsis foram atirados em rios. Seus assassinos
diziam que os mortos estavam sendo enviados de volta para a Etiópia.
Quando
os colonizadores belgas chegaram à região em 1916, produziram carteiras de
identidade classificando as pessoas de acordo com sua etnia. Os belgas
consideravam os tutsis superiores aos hutus. Naturalmente, os tutsis gostaram
da idéia e durante cerca de 20 anos desfrutaram de empregos e oportunidades de
educação melhores do que os dos vizinhos hutus.
O
ressentimento entre os hutus foi crescendo gradualmente e culminou em uma série
de revoltas em 1959. Mais de 20 mil tutsis foram mortos e muitos fugiram para
países vizinhos como Burundi, Tanzânia e Uganda.
Quando
a Bélgica deixou o poder e deu independência a Ruanda, em 1962, os hutus
assumiram o governo. Nas décadas seguintes, os tutsis tornaram-se os bodes
expiatórios em todas as crises.
Rumo ao
genocídio
No
período que antecedeu o genocídio, a situação econômica piorou e o presidente
Juvenal Habyarimana começou a perder popularidade. Ao mesmo tempo, refugiados
tutsis em Uganda - com o apoio de hutus moderados - começaram a formar o
movimento Rwandan Patriotic Front (Frente Patriótica Ruandense), ou RPF,
liderado por Kagame.
O
objetivo do grupo era derrubar Habyarimana e garantir seu direito de retorno à
terra natal. Habyarimana decidiu explorar essa ameaça como uma forma de trazer
dissidentes hutus de volta para o seu lado. Tutsis dentro de Ruanda foram
acusados de ser colaboradores do RPF.
Em agosto
de 1993, após vários ataques e meses de negociações, um acordo de paz foi
assinado entre Habyarimana e o RPF, mas isso não foi suficiente para diminuir
as tensões. O ataque contra o avião de Habyarimana, no início de abril de 1994,
foi a última gota.
Ainda
não foi estabelecido quem matou o presidente - e, com ele, o presidente de
Burundi e outros altos funcionários do governo. O efeito do ataque, no entanto,
foi instantâneo e catastrófico.
Assassinatos
em massa
Em
Kigali, a guarda presidencial iniciou imediatamente uma campanha de vingança.
Líderes da oposição política foram mortos e, quase imediatamente, começou o
assassinato em massa de tutsis e hutus moderados.
Dentro
de horas, recrutas foram enviados a todo o país para executar a onda de crimes.
Alguns tutsis conseguiram escapar para campos de refugiados. Entre os primeiros
organizadores do massacre estavam militares, políticos e homens de negócios,
mas em breve vários outros aderiram à campanha.
Encorajada
pela guarda presidencial e por propaganda massiva em estações de rádio,
formou-se uma milícia não-oficial chamada Interahamwe (o nome significa
"aqueles que atacam juntos"). No auge da violência, o grupo reuniu 30
mil pessoas.
Soldados
e policiais encorajaram cidadãos comuns a participar. Em alguns casos, os
militares obrigaram civis hutus a assassinar tutsis vizinhos. Os participantes
com freqüência recebiam incentivos, como dinheiro ou comida. Em alguns casos,
os mandantes dos crimes disseram aos hutus que poderiam se apropriar das terras
dos tutsis que assassinassem.
De
maneira geral, não houve interferência da comunidade internacional durante o
genocídio. As tropas da ONU se retiraram do país após a morte de dez soldados.
No dia posterior à morte de Habyarimana, o RPF retomou seu ataque contra as
forças do governo e várias tentativas da ONU de negociar um cessar-fogo
fracassaram.
Depois
do genocídio
Finalmente,
em julho, o RPF capturou Kigali. O governo se desintegrou e o RPF declarou um
cessar-fogo.
Tão
logo ficou aparente que o RPF tinha sido vitorioso, cerca de 2 milhões de hutus
fugiram para o Zaire (hoje República Democrática do Congo).
Entre
os refugiados estão muitas pessoas que, mais tarde, foram acusadas de
envolvimento nos massacres. Inicialmente, um governo multi-étnico foi formado,
com um hutu, Pasteur Bizimungu, como presidente, e Kagame como seu vice.
Mas a
dupla mais tarde entrou em desacordo e Bizimungu foi preso sob acusação de
incitar violência étnica. Kagame assumiu a Presidência. Embora o massacre em
Ruanda tenha terminado, a presença de milícias hutus no Congo levou a anos de
conflitos no país vizinho.
O atual
governo de Ruanda, liderado por tutsis, já invadiu o Congo duas vezes, dizendo
querer eliminar as forças hutus da região. Nesse meio-tempo, um grupo rebelde
tutsi no Congo continua ativo, argumentando que não vai depor armas porque, se
o fizesse, sua comunidade estaria sob risco de genocídio.
A maior
força de paz do mundo, hoje posicionada no Congo, não conseguiu resolver o
conflito.
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