Texto
escrito por Lya Luft e publicado na revista Veja de 14 de setembro
Há quem
diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente
apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma
colunista com temas repetidos. Ah, sim, os que me impactam mais, os que me
preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente.
Uma das
grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se
muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito
pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil
reorganizar o caos.
Há
coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos as
primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências
negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram
francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender
brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam
o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais
falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marca-lo
desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
De
todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada vez mais
despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam da
dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase não
sabem escrever, alunos de universidades que têm problemas para articular o
pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma,
analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem
sabe assinar o nome, mas quem o saber assinar embaixo de um texto que leu e
entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.
Agora
sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças brasileiras na
terceira série do elementar não sabem ler bem escrever. Não entende para que
serve a pontuação em um texto. Não sabe ler as horas e minutos num relógio, não
sabe que centímetros é uma medida de comprimento. Quase a metade dos mais
adiantadas escreve mal, quase 60% têm dificuldades graves com números. Grande
contingentes de jovens chega às universidades sem saber redigir um texto
simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se por escrito.
Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes analfabetos.
Naturalmente,
a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas particulares:
professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na biblioteca,
crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o estado não cumpre o seu
papel de garantir a todo cidadão (especialmente à criança) a necessária
condição de saúde, moradia e alimentação.
Faxinar
a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é essencial para nossa
dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria
que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma
posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos aumentam seus
salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe direito onde,
enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites, na lhes é
exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais elementar
disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida sobretudo, se
constroem em parte de erro e acerto, e esforço.
Mas se não
podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto
sólido sobe nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço,
disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?
Cansei
de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar
já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça. Precisamos de atos e
fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola, prestar
atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora isso, não
haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora, escandalosamente
reprovada.
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