Quando refletimos sobre Defesa Nacional,
normalmente a primeira imagem que visualizamos é a de Forças Armadas bem
equipadas e com sistemas de armas modernos e incorporando alto nível de
tecnologia. Seria esta uma imagem adequada à realidade que envolve o que
deveríamos pensar ser a Defesa Nacional? Que outros fatores teríamos ainda de
considerar para que o conceito de Defesa Nacional fosse adequadamente
apreendido?
Para facilitar a organização das idéias sobre esse
conceito, usaremos o que registra a Política de Defesa Nacional (2005), ou
seja, “conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar,
para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra
ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas”.
Ao considerarmos que as Forças Armadas representam,
apenas, a parte visível de uma estrutura de defesa, somos obrigados a refletir
na importância e na complexidade das atividades desenvolvidas por outros
setores do Estado e que dão sustentação ao conceito de Defesa Nacional. Assim,
para bem cumprir sua função, as Forças Armadas dependem, diretamente, da
existência e eficácia desses setores, os quais contribuem decisivamente para a
consolidação de uma real capacidade de Defesa.
Dentre esses setores, destacamos a competência de o
Estado desenvolver atividades de Inteligência Estratégica; na criação e
manutenção de uma robusta base industrial de defesa; na capacidade de
desenvolver ciência & tecnologia e pesquisas de interesse da Defesa
Nacional; na capacidade de desenvolver um eficiente processo de mobilização,
tanto industrial, quanto de infra-estrutura para atendimento às necessidades
específicas de defesa, quanto na capacitação de profissionais (civis e
militares) voltados para a gestão do processo de Defesa; na existência de
políticas públicas objetivas e voltadas para a orientação e fortalecimento das
atividades de interesse da área de Defesa, etc. Assim, a capacidade e os
resultados esperados de uma estrutura de Defesa serão tão eficazes quanto o
forem os setores que a integram.
É considerando a complexidade inerente ao
desenvolvimento dessas ações que se torna fundamental a existência de uma clara
Concepção Estratégica do Estado voltada para a organização da Defesa Nacional.
Essa Concepção Estratégica tornar-se-á base e guia para as ações ou estratégias
a serem desenvolvidas, será referência para as prioridades dos investimentos a
serem realizados, servirá de orientação para os resultados a serem alcançados
por todos os setores que integram a estrutura de Defesa, servirá para dar sustentação
às discussões políticas envolvendo o tema, etc. A importância de uma clara
Concepção Estratégica relacionada à Defesa Nacional mostrará qual o nível de
Defesa almejado e quais os benefícios decorrentes do esforço a ser empreendido
pela sociedade.
O desenvolvimento de uma Concepção Estratégica não
é uma tarefa fácil, pois isso envolve inúmeras variáveis que interferem
permanentemente nesse processo. Dentre essas variáveis, a definição e a
caracterização do que seja uma ameaça aos interesses vitais do Estado talvez
seja uma das mais difíceis. Porém, será a clara definição do que seja uma
ameaça, ou áreas de interesse, quando confrontados com os interesses de outros
Estados, que dará início, ou incrementará, o processo de formação e
fortalecimento da estrutura de defesa. Essa é uma discussão que deverá ocorrer
inicialmente, e obrigatoriamente, na esfera política, envolvento os Poderes
Legislativo e Executivo, considerando tratar-se de um assunto cujas decisões e
consequências afetará a todos os cidadãos indistintamente. Uma dessas
consequências, e que normalmente gera acaloradas discussões na esfera política,
refere-se, por exemplo, à priorização de investimentos na área de defesa em
detrimento da área social.
As diretrizes e as estratégias voltadas para a
capacitação do Estado na área de Defesa têm implicações diretas na
sobrevivência, na estabilidade e na preservação dos interesses vitais da
própria nação, e em função da complexidade e do longo período para a
consolidação das ações decorrentes, implica, também, na existência de uma
Política de Estado que as oriente. Assim, o envolvimento do Poder Legislativo,
do Poder Executivo e de grupos representativos da sociedade tornam a discussão
em torno desse tema das mais complexas e importante para qualquer sociedade.
Embora nos países nos quais predomina um sistema
democrático de governo a maioria das iniciativas políticas na área de Defesa
ser do Poder Executivo, o desenvolvimento e a concretização das ações dependem,
também, e diretamente, da participação do Poder Legislativo. As exigências de
prolongadas discussões políticas envolvendo os interesses do Estado, bem como a
prioridade e o rumo a ser dado às iniciativas nessa área, os altos
investimentos financeiros necessários, a exigência de políticas públicas
orientando esses esforços, etc., comprovam a importância da participação do
Poder Legislativo nesse processo. Afinal, é no parlamento que ocorrem as
discussões sobre as demandas e as necessidades de toda a sociedade. Ao
funcionar como uma “caixa de ressonância” dos diversos grupos de interesses
envolvidos, a discussão do tema Defesa Nacional ganha transparência, destaque e
projeção.
A discussão política envolvendo a priorização, ou
os esforços, em proveito do fortalecimento da estrutura de Defesa se destaca e
ganha força quando da percepção de ameaças aos interesses vitais do Estado.
Nessa etapa, um dos setores que se sobressai e tem papel primordial na
assessoria do processo decisório é o setor de Inteligência Estratégica,
contribuindo decisivamente para as decisões de nível estratégico do Estado. O
principal objetivo da Inteligência Estratégica é identificar, coletar, analisar
e interpretar dados e informações nas mais variadas áreas do conhecimento e dos
assuntos de interesse do Estado que a desenvolve. Na prática, a Inteligência
Estratégica torna-se a primeira instância da Defesa Nacional.
Quais as consequências possíveis na demora, ou
fruto da incapacidade de um Estado em identificar ou caracterizar uma
determinada ameaça aos interesses da nação? Uma consequência imediata seria a
perda de uma vantagem comparativa frente a um potencial adversário, seja nos
campos diplomático, econômico ou militar. A incapacidade de identificar e
antecipar alterações, principalmente no cenário internacional, implicará na
dificuldade de o Estado adotar as medidas e ações oportunas para a
neutralização, ou destruição, das ameaças potenciais aos interesses vitais
considerados, o que poderá comprometer a capacidade de manutenção da soberania
ou da harmonia interna necessária ao desenvolvimento econômico e social.
Portanto, será a identificação e o correto
dimensionamento de uma potencial ameaça, ou da imagem que o Estado pretende
passar para a comunidade internacional, como forma de dissuação para fins de
defesa de seus interesses, que orientará os esforços na busca de determinada
capacidade de Defesa.
Porém, esse é um processo complexo e longo. Tendo
por base a Concepção Estratégica, esse processo, em sua fase inicial, deverá
envolver um completo diagnóstico da capacidade de o Estado desenvolver ações de
Defesa, quando comparado com a capacidade de um potencial adversário ou grupos
hostis. O diagnóstico estratégico é um processo permanente de monitoração dos
fatores existentes no ambiente externo ao Estado e que podem afetar os
interesses considerados vitais. Assim, o diagnóstico estratégico tem o objetivo
de identificar, caracterizar e dimensionar as ameaças e riscos, tanto no
presente quanto no futuro, e que possam afetar a soberania do Estado e as
condições essenciais para o alcance do desenvolvimento e da paz social. Essa
etapa do processo é considerada estratégica em função dos resultados obtidos
influenciarem nas decisões políticas e estratégicas do Estado, bem como nas
ações decorrentes.
A etapa do diagnóstico estratégico consiste em
avaliar a real capacidade de todos os setores da estrutura de Defesa, além da
integração e harmonia existente entre os mesmos, buscando identificar onde se
localizam os desequilíbrios estratégicos na área de Defesa. Em paralelo a esse
trabalho, igual atividade estará sendo realizada para o dimensionamento, de
forma realística e objetiva, das ameaças identificadas. O estudo comparativo e
os resultados dessas atividades mostrarão onde deverão ser priorizados os
esforços, de modo a conseguir a capacidade de Defesa que o Estado necessita.
É nesse sentido que a Concepção Estratégica da
Defesa Nacional torna-se fundamental, ao balizar as estratégias a serem
desenvolvidas e que terão como resultado a conquista de determinada capacidade
de Defesa. Também, a existência de uma clara Concepção Estratégica servirá de
guia para a consolidação de uma Política de Estado, ensejando políticas
públicas que darão sustentação ao esforço a ser empreendido na busca da capacidade
de Defesa pretendida.
Portanto, a existência de um claro e objetivo
compromisso institucional, envolvendo os Poderes Legislativo e Executivo, além
de importantes setores da sociedade, dará o respaldo necessário à Concepção
Estratégica no direcionamento e desenvolvimento das estratégias necessárias à
conquista da capacidade de Defesa que a nação precisa.
Analisando as ações voltadas para o fortalecimento
da estrutura de Defesa, e ao considerarmos a complexidade das atividades a
serem desenvolvidas, fica evidente a necessidade de uma orientação estratégica
que organize e harmonize todo esse esforço, e é nesse sentido que uma clara
Concepção Estratégica da Defesa Nacional se mostra fundamental. Ao apontar
objetivamente qual a postura estratégica do Estado, ou seja, o que será feito
para enfrentar potenciais ameaças; o porquê dessa postura, ou seja, quais os
interesses do Estado que estão sendo defendidos em âmbito regional ou
internacional; e, como pretende conquistar esses objetivos, ou seja, quais as
estratégias que serão desenvolvidas; tornar-se-á claro para a sociedade qual a
prioridade e os esforços sendo realizados e a razão disso. Também, servirá para
mostrar à comunidade internacional o que o Estado considera seus interesses
vitais e o preço que está disposto a pagar para defendê-los.
Ao refletirmos sobre o conceito de Defesa Nacional,
torna-se destacada a importância de existir uma clara Política de Estado que dê
respaldo às complexas atividades desenvolvidas pelos vários setores que integram
a estrutura de Defesa, principalmente em função do longo tempo necessário para
a conquista da capacidade requerida. Também, tal nível de política servirá para
harmonizar os esforços e minimizar eventuais interrupções nesse processo, em
função, também, de conflitos e interesses políticos em períodos distintos.
Outras vantagens da existência de uma clara
Política de Estado são o de tornar mais claros os objetivos sendo buscados para
a área de Defesa; o de estabelecer as responsabilidades das várias autoridades
nos variados setores e níveis da estrutura do Estado; e, principalmente, o de
evitar que uma área tão sensível e vital para a sobrevivência do Estado possa
ficar à mercê de decisões pontuais, ou inócuas, ou de grupos políticos, que
possam estar desvinculadas da realidade que cerca os reais interesses do Estado
e da sociedade na esfera da Defesa Nacional.
Como conclusão deste ensaio, podemos afirmar que
existe uma relação direta entre Concepção Estratégica e Defesa Nacional.
Enquanto a Defesa Nacional envolve uma capacidade a ser buscada e mantida pelo
Estado, de forma a preservar os interesses vitais do Estado; a Concepção
Estratégica envolve uma orientação, uma diretriz política que explica o que
deverá ser feito e o porquê disso, apontando a direção e harmonizando os
esforços de variados setores do Estado no desenvolvimento de atividades
complexas em proveito da Defesa Nacional. Claro que tudo isso deverá estar em
perfeita sintonia com os dispositivos legais estabelecidos na Constituição
Federal, além de que a Concepção Estratégica deverá refletir, claramente, a
estratégia global de nosso Estado com vistas ao alcance dos objetivos
estabelecidos na Política Nacional de Defesa.
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