Durante
muito tempo, acreditou-se que a vastidão dos oceanos seria capaz de anular as
agressões que a ação humana lhes impõe. Vazamentos de óleo e de produtos
químicos, por exemplo, ocorrem com freqüência e produzem imagens chocantes. Mas
sempre pareceram uma gota na imensidão, de forma que se avaliava que o mar
acabaria por anular os efeitos rapidamente. Agora, diante de uma série de
fenômenos recentes e inesperados, os biólogos alertam para uma situação
muitíssimo mais grave: os oceanos estão doentes e, em muitos casos,
ultrapassou-se a capacidade de auto-regeneração. Evidentemente, a ação do homem
é decisiva para a deterioração das águas. Nos atóis do Pacífico e no norte da
Europa, observa-se a queda abismal dos cardumes de peixes, dos mamíferos
marinhos e dos bancos de corais, enquanto cresce a quantidade de algas tóxicas
e águas-vivas. Focas, leões-marinhos e golfinhos morrem aos milhares na costa
da Califórnia, fulminados por toxinas que até pouco tempo atrás não existiam na
região. No Golfo do México, as marés vermelhas, que matam os peixes e lançam no
ar substâncias que atacam o sistema respiratório de seres humanos, são cada vez
mais freqüentes. Para espanto dos cientistas, algas venenosas que habitavam os
mares nos tempos dos dinossauros voltaram a proliferar em uma dúzia de pontos
do planeta.
Há
várias causas para esses desastres naturais, mas todas têm uma origem em comum:
a quantidade cada vez maior de resíduos da atividade humana que vão parar nos
oceanos. O conteúdo das fossas e tubulações de esgoto doméstico, os dejetos
industriais, os fertilizantes e as substâncias químicas usadas na agricultura e
na pecuária – todos esses elementos são ricos em nutrientes básicos, compostos
de nitrogênio, carbono, ferro e fósforo, que alteram a composição química dos
mares. Eles favorecem a proliferação de algas e bactérias que, em excesso,
consomem boa parte do oxigênio da água, sufocam os corais, comprometem a cadeia
alimentar dos oceanos e, por extensão, a sobrevivência dos animais.
As
emissões de dióxido de carbono (CO2) pela queima de combustíveis fósseis também
colaboram para a degradação dos mares. Parte dessas emissões vai para a
atmosfera e forma o chamado efeito estufa. Outra parte vai parar nos oceanos e
torna a água cada vez mais ácida. Para completar, os materiais plásticos
lançados como lixo nos mares, que antes apenas enfeavam as praias, hoje são
responsáveis pela morte em massa de pássaros que vivem nos litorais. "A
composição química dos oceanos mudou mais rapidamente no século XX do que nos
últimos 650.000 anos", disse a VEJA o oceanógrafo Richard Feely, do
National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), órgão do governo
americano. A dimensão negativa dessas mudanças e o que se pode fazer para
evitá-las são o assunto desta reportagem, que se concentra na análise de cinco
pontos indicados pelos especialistas como os mais críticos.
A
ÁGUA ESTA CADA VEZ MAIS ÁCIDA
Tornou-se
consenso que o dióxido de carbono (CO2) produzido pela queima de combustíveis
fósseis é o responsável pelo aquecimento global. Menos conhecidos são seus
efeitos nos oceanos, que absorvem boa parte do dióxido de carbono produzido
pela ação humana. Quando o CO2 chega aos mares, o poluente se transforma em ácido
carbônico, alterando o nível de acidez – o chamado pH – da água. Nas últimas
décadas, o pH dos mares vem diminuindo a um ritmo cada vez mais acelerado. Os
pesquisadores prevêem que, no fim deste século, caso se mantenha essa
diminuição, o pH chegará a 7,9, o que tornará os oceanos vinte vezes mais
ácidos do que hoje. Nesse cenário, muitos peixes e animais marinhos terão
dificuldade para respirar. O sistema reprodutivo de algumas espécies também
será afetado. Estudos feitos em laboratório com água apresentando pH de 7,9
mostram que, sob essas condições, as estruturas de alguns tipos de zooplâncton,
compostas de carbonato de cálcio, são corroídas rapidamente – hoje, esse
processo já ocorre, embora de forma lenta. Essa não é uma boa notícia, já que o
zooplâncton é a base da cadeia alimentar de muitos peixes e mamíferos
aquáticos. A acidez também ataca os corais, que se formam mais lentamente ou se
deterioram, num fenômeno conhecido como branqueamento. Calcula-se que 60% dos
corais do mundo já foram afetados pela diminuição do pH da água salgada.
Os
especialistas suspeitam que o aumento da acidez dos oceanos terá outro efeito
perverso – o de amplificar o aquecimento global. Os eocolitoforídeos, um tipo
de fitoplâncton formado por carbonato de cálcio e também suscetível à acidez,
brilham e refletem de volta para o céu parte dos raios solares que incidem
sobre o mar. Sem eles, os raios não fariam o caminho de volta e o mar se
tornaria mais quente. Através das eras geológicas, os oceanos sempre absorveram
o excesso de CO2 da atmosfera, evitando o superaquecimento do planeta. Não
fosse por eles, a temperatura da Terra teria aumentado 2 graus, em vez de
apenas 1, no último século. Com o excesso de CO2 produzido pelo homem, eles
hoje absorvem dez vezes mais esse gás venenoso. No próximo relatório do Painel
Intergovernamental de Mudança Climática das Nações Unidas, a ser divulgado em
2007, a crescente acidez dos mares pela primeira vez será apontada como um
problema grave.
CRESCE
O NÚMERO DE ZONAS MORTAS
Metade
da população do globo mora e trabalha em regiões costeiras – calcula-se que
2.000 famílias se instalem diariamente em áreas próximas aos litorais. A
ocupação dessas áreas faz com que um fluxo crescente de água doce contaminada
por resíduos de insumos agrícolas, dejetos de gado e esgotos doméstico e
industrial seja despejado nos oceanos. Todos esses materiais descartados são
ricos em nutrientes, que favorecem a proliferação de algas de vários tipos. As
algas são parte da vida marinha, mas, em excesso, transformam-se numa ameaça
para todas as outras espécies vegetais e animais. Ao morrerem, elas se
depositam no fundo do mar, onde são degradadas por bactérias. Quando há algas
demais, a ação desses microrganismos consome a maior parte do oxigênio da água,
fazendo com que todas as formas de vida entrem em colapso. O resultado são as
zonas mortas, inabitáveis para a maioria das espécies, salvo organismos que
vivem com pouco oxigênio, como algumas bactérias. Nos anos 50, havia no mundo
três zonas mortas reconhecidas pelas entidades que estudam os oceanos. Hoje,
existem 150 – uma delas no entorno da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
O
excesso de algas decorrente dos resíduos da ação humana também é mortal para os
corais. Mesmo antes de se decomporem, as algas formam um escudo que bloqueia a
luz do sol, fundamental para a sobrevivência dos corais. A ocupação acelerada,
nas últimas décadas, de uma das regiões turísticas americanas mais conhecidas
dos brasileiros, as Florida Keys, provocou um aumento tão intenso no lançamento
de esgotos no mar que os quase 350 quilômetros de corais da região estão
desaparecendo, vítimas de algas e de bactérias. Embora os recifes de coral
cubram menos de 1% do solo dos oceanos, eles servem de abrigo para 2 milhões de
espécies, ou 25% da vida marinha. "Cerca de 95% dos recifes de coral do
mundo já não abrigam mais uma quantidade de peixes suficientemente variada e
numerosa para mantê-los saudáveis", disse a VEJA John McManus, diretor do
National Center for Caribbean Coral Reef Research, nos Estados Unidos.
ALGAS
TÓXICAS MATAM OS SERES MARINHOS
Os
mamíferos marinhos são vistos pelos oceanógrafos como um bom indicador da saúde
dos oceanos. Quando há alterações no comportamento ou no ciclo de vida desses
animais, é porque algo vai mal no ambiente em que vivem. Na última década, mais
de 14.000 focas, leões-marinhos e golfinhos apareceram mortos ou doentes nas praias
da Califórnia. Muitos deles, examinados por veterinários e biólogos marinhos,
mostravam evidências de envenenamento por toxinas produzidas por tipos de alga
que recentemente encontraram condições propícias para se reproduzir de forma
descontrolada. Os animais se intoxicaram ao comer sardinhas e anchovas que se
alimentam dessas algas.
Uma
das algas tóxicas mais comuns é a pseudonízschia, que produz ácido domóico,
substância que afeta o sistema nervoso. Nos leões-marinhos, essa toxina provoca
tremores, convulsões e comportamento agressivo. As fêmeas, normalmente dotadas
de forte instinto maternal, agridem e chegam a matar seus filhotes logo após o
nascimento. Estudos geológicos feitos no Golfo do México, onde desemboca o Rio
Mississippi, mostram que a pseudonítzschia não existia no local até os anos 50.
Nessa época, difundiu-se largamente o uso de fertilizantes químicos nas
fazendas às margens do rio. Estudos atribuem aos fertilizantes, utilizados
desde então, a multiplicação acelerada da alga. As mudanças climáticas também
afetam a proliferação de algas tóxicas, fazendo com que elas se reproduzam em
locais que antes eram muito frios para a espécie.
Outros
tipos de alga tóxica que recentemente passaram a se reproduzir de forma
descontrolada enfraquecem o sistema imunológico dos animais marinhos,
tornando-os mais vulneráveis a parasitas, vírus e bactérias. No Havaí já foram
encontradas tartarugas marinhas com tumores do tamanho de uma maçã em volta dos
olhos, na boca e atrás das nadadeiras. Os tumores impedem as tartarugas de
enxergar, comer e nadar.
AS
MARÉS VERMELHAS SÃO MAIS FREQÜENTES
Sempre
que o verão começa, o Mar Báltico fica com a aparência de lama malcheirosa em
partes do litoral da Suécia. Os peixes morrem e bóiam na superfície. Quem chega
muito perto fica com os olhos ardendo e algumas pessoas têm dificuldade para
respirar. Esses são alguns dos efeitos das marés vermelhas, como são chamadas
as concentrações de algas tóxicas em águas próximas ao litoral. Até uma década
atrás, no Golfo do México esse fenômeno acontecia em média a cada dez anos –
hoje, ele ocorre todo ano e chega a durar meses. Marés vermelhas são sinal de
oceanos doentes. Elas se devem a uma conjunção de fatores. Entre eles estão a
destruição dos pântanos e manguezais próximos à costa e a poluição causada pelo
assentamento humano cada vez mais intenso nas regiões litorâneas. Esse cenário
diminui a quantidade de peixes e outras espécies marinhas que vivem junto à
costa, abrindo caminho para a multiplicação das algas.
Algumas
algas produzem toxinas que, além de matar os peixes, são levadas pela brisa
marinha até a costa. Em seres humanos, as toxinas provocam incômodo pelo mau
cheiro e causam desde reações alérgicas na pele até problemas respiratórios
como bronquite e crises de asma. Durante as marés vermelhas, as toxinas
produzidas pelas algas podem chegar à mesa do almoço, absorvidas por mexilhões,
ostras e outros frutos do mar. A intoxicação por esses alimentos contaminados
provoca infecções intestinais e até convulsões e desmaios.
As
marés vermelhas também causam perdas financeiras às áreas afetadas. Em diversas
regiões da China, onde o fenômeno vem acontecendo com maior freqüência, a pesca
comercial fica suspensa enquanto duram as marés. Em regiões turísticas como a
Flórida e a Califórnia, as reservas de hotéis são canceladas assim que os
alertas de maré vermelha são divulgados.
O
LIXO PLÁSTICO INVADE OS LITORAIS
Há
décadas os ambientalistas insistem que os materiais plásticos descartados no
mar representam uma das maiores ameaças ao meio ambiente – para a maioria das
pessoas, esse discurso parecia mais folclórico do que real. Pois bem, os
ecologistas sempre tiveram razão. Cerca de 90% do lixo que bóia nos oceanos é
formado por materiais plásticos. O programa ambiental das Nações Unidas estima
que 46 000 peças de lixo plástico flutuam em cada 2,5 quilômetros quadrados dos
oceanos. Desse total, quatro quintos chegam até o mar varridos pelo vento ou
levados pela água da chuva, pelos esgotos e rios. Um quinto é lançado pelos navios.
O
Atol de Midway, localizado próximo ao Havaí, simboliza o drama da poluição
causada pelos plásticos. Situado no meio do Oceano Pacífico, ele recebe
diariamente o entulho plástico trazido do Japão e da costa oeste dos Estados
Unidos por duas correntes que convergem para suas praias. O lixo de Midway
causa a morte de quase metade dos 500.000 albatrozes que a cada ano nascem na
ilha. Os albatrozes alimentam os filhotes com pedaços de plástico, que
confundem com comida. Tartarugas, focas e leões-marinhos também comem as peças
plásticas, e muitos deles morrem por asfixia ou lesões internas.
Nem
mesmo peixes de pequeno e médio portes escapam da praga dos plásticos. Muitas
vezes eles ingerem os pellets – como são chamadas as pequenas bolinhas
plásticas com 1 centímetro de diâmetro –, usados pela indústria para produzir
os mais variados objetos. Além de poluírem as praias, os pellets podem absorver
substâncias tóxicas que não se dissolvem facilmente na água e afetar o ciclo
reprodutivo dos peixes. Eles estão presentes também na costa brasileira.
"Já encontrei pellets em Santos, em Ubatuba e no Guarujá", diz
Alexander Turra, biólogo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São
Paulo.
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