O caso
dos grampos telefônicos envolvendo jornalistas ingleses provocou o fechamento
de um dos tabloides mais tradicionais da Grã-Bretanha. E ainda, uma discussão
sobre os limites da imprensa, o monopólio dos meios de comunicação e a relação
entre jornalismo e política.
O
escândalo é o pior da imprensa britânica deste século. Ele se transformou numa
crise política de maiores proporções que atingiu o primeiro-ministro David
Cameron e a famosa polícia londrina, a Scotland Yard.
Até
agora, as investigações levaram ao afastamento de dois chefes de polícia e à
prisão de dez pessoas. Entre os detidos estão repórteres e executivos da
empresa responsável pela publicação do jornal.
Estima-se
que 4 mil pessoas tenham tido os telefones celulares interceptados por
jornalistas e detetives. O objetivo dos acusados era obter informações
exclusivas para a publicação de reportagens. Atores, políticos, jogadores de
futebol e apresentadores de TV estão entre as vítimas que tiveram a privacidade
invadida.
O News
of the World era o jornal dominical mais vendido na Grã-Bretanha. Devido às
denúncias, ele deixou de circular em 10 de julho, quando foi publicada a última
edição. O tabloide existia há 168 anos e tinha uma tiragem de 2,8 milhões de
exemplares.
As
manchetes sensacionalistas envolvendo celebridades eram a marca registrada da
publicação. A estratégia é cada vez mais comum entre os jornais impressos, para
aumentar as vendas e competir com os meios eletrônicos.
Desde
2005 havia suspeitas de que funcionários do News of the World estariam usando
meios ilegais para conseguir informações privilegiadas. Na época, o jornal
publicou matéria sobre um ferimento no joelho do príncipe William que era
desconhecido do público.
Em
janeiro de 2007, a Justiça condenou o jornalista Clive Goodman e o detetive
particular Glenn Mulcaire a, respectivamente, quatro e seis meses de prisão.
Eles teriam feito escutas ilegais em celulares de empregados da família Real. A
investigação, entretanto, concluiu que foi um fato isolado, não uma prática
corriqueira no jornal.
Os
grampos eram feitos de uma forma simples. Os telefones celulares na
Grã-Bretanha eram vendidos com uma senha de quatro dígitos, como “1234” ou
“0000”, para acesso à caixa postal. A senha deveria ser trocada pelos
consumidores após a compra, mas poucos faziam isso. Repórteres ou detetives
ligavam para o número da pessoa que, caso não respondesse, caía na caixa
postal. Assim, era possível usar a senha padrão para acessar o conteúdo com as
mensagens.
Império
midiático
Uma
segunda investigação foi aberta em janeiro deste ano pela Scotland Yard,
motivada por novas denúncias. Em abril, a direção do News of the World admitiu
a prática publicamente, após a prisão de dois repórteres.
O
escândalo, porém, se tornou maior quando o jornal The Guardian revelou novos
detalhes dos crimes. Em março de 2002, o desaparecimento de Milly Dowler, uma
adolescente de 13 anos, comoveu o país. O corpo da jovem foi descoberto meses
depois. Mas, enquanto estava desaparecida, teve a caixa postal do aparelho
celular invadida, fazendo a polícia acreditar que ela ainda estava viva.
O
jornal também teria feito escuta em telefones de familiares de soldados
britânicos mortos no Afeganistão e de parentes de vítimas dos atentados ao
metrô londrino em 2005. Outro alvo pode ter sido a família do brasileiro Jean
Charles de Menezes, morto por engano pela polícia no mesmo ano.
O News
of the Word pertencia ao magnata da mídia Rupert Murdoch, dono do conglomerado
de comunicações News Corporation International, um dos maiores do mundo. O
empresário australiano é proprietário de outros veículos importantes na
Grã-Bretanha, como o The Sun, o The Times, o The Sunday Times e a rede de TV
BSkyB.
Em
julho, as denúncias levaram à demissão de dois executivos do grupo, Les Hinton
e Rebekah Brooks. Considerada o braço-direito de Murdoch, Brooks foi
editora-chefe do jornal no período em que ocorreram as escutas ilegais. Ela
chegou a ser presa e liberada sob fiança.
O
empresário pediu desculpas pelos erros do jornal em depoimento no Parlamento
britânico. Na ocasião, ele foi questionado pelos crimes cometidos por seus
funcionários no tabloide.
Até o
primeiro-ministro David Cameron teve que dar explicações. Ele tinha contratado
como porta-voz Andy Coulson, um dos editores do News of the World na época dos
grampos. Coulson renunciou ao cargo no início do ano e vai responder a
processos.
Nem
mesmo a cúpula da Scotland Yard escapou. O diretor Paul Stephenson e o vice,
John Yates, pediram demissão depois de serem envolvidos no caso. Há suspeita de
que policiais eram subornados para passar informações sobre casos apurados pelo
jornal e de que a primeira investigação tenha sido encerrada prematuramente.
Na
esteira do escândalo, um dos maiores no meio jornalístico europeu, já se
discutem medidas para evitar o abuso dos tabloides. Uma delas seria criar
barreiras jurídicas para impedir a concentração de veículos nas mãos de um
único proprietário, como acontece com Rupert Murdoch.
Outra
diz respeito a instaurar uma agência reguladora para a imprensa escrita, como
já existe para os meios eletrônicos (TV e rádios). De qualquer forma, a
apuração de crimes cometidos por quem deveria denunciá-los deve mudar o
panorama da tradicional imprensa britânica.
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